Entenda a origem e as consequências da ascensão do Taleban no Afeganistão

 Cenas extremamente tristes e dolorosas de afegãos tentando fugir de sua terra natal invadiram o noticiário e as redes sociais nos últimos dias, após a retomada  da capital do Afeganistão, Cabul, pelo grupo extremista Taleban.

As imagens de pessoas se amontoando em aviões e até mesmo se pendurando do lado fora do veículo mostram que, infelizmente, para muitos afegãos, a morte é preferível a viver sob o jugo de um governo tirânico e violento.  

Para explicar a origem do conflito, o curso Prime promoveu um o aulão interdisciplinar “Taleban 20 anos depois: o retorno do terror”. Convidamos os professores Gabriel, Dilson e Reginaldo para debater esse tema pertinente e atual que pode ser cobrado no vestibular e no ENEM. O evento é gratuito e aberto a toda a comunidade!

Neste artigo, fizemos um resumo dos principais fatos que explicam a origem do conflito no Afeganistão para você se preparar para o aulão e levar perguntas incríveis aos nossos professores.

Se preferir, assista ao aulão no youtube do Curso Prime. 

 

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O imperialismo britânico no século XIX

No século XIX, o Afeganistão sofreu diversas investidas do Império Britânico, na época em que Inglaterra e o Império Russo disputavam a supremacia pela Ásia Central. Para os ingleses, a expansão russa nessa região ameaçava a sua colônia mais importante, a Índia britânica. 

Após anos de conflitos e de domínio inglês, o Afeganistão conseguiu sua independência no ano de 1919, instituindo uma monarquia. O primeiro rei, Amanullah Khan, na tentativa de modernizar o país, construiu relações diplomáticas com a Turquia e com países da Europa Ocidental e aboliu o uso do véu muçulmano para as mulheres. 

Essas reformas afastaram os líderes religiosos e tribais de Amanullah, que foi forçado a abdicar do trono no ano de 1929. A monarquia afegã, porém, continuou por mais 44 anos e a principal característica desse período foi o estreitamento dos laços com a União Soviética.

Fim da monarquia e uma sucessão de golpes

Em 1973, em um contexto de pouca confiança do povo na família real afegã, um golpe levou Mohammed Daoud Khan à presidência do país. Daoud afastou-se da URSS e se aproximou da Arábia Saudita e do Xá do Irã. Esses movimentos não agradaram os soviéticos e o Partido Democrático do Povo Afegão (PDPA), que juntos organizaram o golpe, conhecido como Revolução de Saur, em 1978. 

Foi assim que Nur Muhammad Tariki se tornou o presidente do Afeganistão. As medidas adotadas pelo PDPA questionavam o fundamentalismo islâmico. Nessa época foi implantada a reforma agrária, houve introdução do ensino laico e ampliação dos direitos das mulheres, passando a permitir que elas ocupassem cargos políticos. As medidas de Tariki, entretanto,não agradaram os grandes proprietários de terras afegãos e os grupos mais conservadores, que viam nessas medidas uma ameaça ao Islamismo. 

Essa insatisfação levou a outro golpe, que levou Hafizullah Amin ao poder. Em plena Guerra Fria, a URSS não via com bons olhos o governo de Amin pois temia duas coisas: que o Afeganistão se aproximasse dos EUA e que Amin não combatesse os grupos fundamentalistas militarizados mujahidins no interior do país. 

Assim, no ano de 1979, a União Soviética enviou 100 mil tropas para invadir o país. O golpe resultou na morte de Amin, que foi substituído por Babrak Karmal. Após a invasão, os mujahidins convocaram uma jihad (guerra santa) contra os soviéticos, que ficou conhecida como Guerra do Afeganistão.

A atuação dos mujahidins na Guerra do Afeganistão

Os grupos mujahidins receberam apoio financeiro e militar dos EUA para combater os soviéticos utilizando táticas de guerrilha. A resistência desses grupos de guerrilha estendeu a guerra por dez anos e foi muito violenta, com cerca de 15 mil mortes de soviéticos. O conflito foi um verdadeiro desastre para a URSS, tanto humano, quanto financeiro. Estima-se que 2,6 bilhões de dólares foram gastos pela União Soviética, sem que conseguissem cumprir seu objetivo de eliminar as tropas mujahidins). 

Apesar da Guerra do Afeganistão ter sido extremamente prejudicial para a URSS em termos financeiros, principalmente, não foram só eles que “saíram perdendo”. As maiores vítimas desses anos de golpes e guerras foram os cidadãos afegãos, que sofreram com aproximadamente um milhão de mortes. Além disso, os próprios EUA tiveram um saldo negativo, pois os grupos mujahidins que eles ajudaram a treinar e a armar acabaram formando dois dos maiores grupos fundamentalistas atuais: a Al-Qaeda e o Taleban.

A ascensão do Taleban

Após a retirada das tropas soviéticas, em 1989, o combate às tropas rebeldes passou a ser responsabilidade do governo afegão, liderado por Mohammad Najibullah, que contava com o apoio financeiro dos aliados soviéticos. Contudo, após 1992, este auxílio foi suspenso e, em 1996, após quatro anos de combates pela cidade, o Taleban conseguiu invadir Cabul e instaurar seu regime.

O Regime Taleban, liderado por Mulá Omar, esteve no comando do Afeganistão de 1996 a 2001. As memórias do povo afegão deste período não poderiam ser piores. O Taleban estabeleceu um regime teocrático com base em uma interpretação fundamentalista da sharia (direito islâmico). Dessa forma, bibliotecas foram destruídas e os homens eram obrigados a usar barba e a ter um corte de cabelo padronizado.

As maiores vítimas do Regime Taleban, entretanto, são as mulheres. Neste período de cinco anos, elas foram obrigadas a usar o hijab e sapatos silenciosos, proibidas de frequentarem escolas ou universidades, de trabalharem, de saírem de casa, de irem ao hospital e de falarem em público, entre outros exemplos. Além disso, na sua tentativa pelo controle do Afeganistão, o Taleban realizou massacres contra civis, principalmente muçulmanos xiitas e pessoas da etnia hazara.

O Regime Taleban foi apoiado pelo Paquistão e pela Arábia Saudita, além de ter apoio militar da Al-Qaeda, grupo terrorista liderado por Osama Bin Laden. Esta aproximação entre Afeganistão e Al-Qaeda em nada agradou aos EUA que, em 1998, pedem ao país que extradite Osama Bin Laden por acreditarem que ele seria responsável por ataques às embaixadas americanas em países da África. 

Os atentados de 11 de setembro e a invasão do Afeganistão

O estopim para a invasão norte-americana no Afeganistão, contudo, aconteceu três anos depois, com os atentados terroristas  do 11 de Setembro, liderados pela Al-Qaeda e que deixaram cerca de três mil mortos.

Os Estados Unidos invadiram o Afeganistão menos de um mês depois, em outubro, aliados às forças armadas britânicas e ao grupo resistente afegão Aliança do Norte. O grupo tinha três objetivos em mente: erradicar a Al-Qaeda, derrubar o regime Taleban e capturar Bin Laden. Os bombardeios estadunidenses resultaram em 14 mil mortes (4 mil civis e 10 mil soldados do Taleban). Apenas três meses depois, em dezembro de 2001, o Regime Taleban foi deposto e formou-se um novo governo liderado por Hamid Karzai.

No início, a invasão norte-americana teve sucesso e conseguiu desmanchar  boa parte das bases da Al-Qaeda no país. Contudo, com o começo da Guerra do Iraque (país no qual oEUA tinham interesse econômico), em 2003, houve um redirecionamento dos recursos do Afeganistão para o Iraque, tornando a luta contra o Taleban muito mais difícil. 

Descentralização do poder no Afeganistão

O leitor mais atento percebeu um problema no Afeganistão desde a sua colonização pela Inglaterra: a descentralização do poder. Não foi diferente neste caso. Apesar de Hamid Karzai ter conquistado o poder do país, sua legitimidade não saía da capital, Cabul. Isso acontece porque boa parte do território ainda é comandada por senhores da guerra, além de chefes tribais e líderes religiosos que, na sua maior parte, são favoráveis aos grupos mujahidins. 

Dessa forma, as diversas tentativas, nesses últimos vinte anos, de reconstrução da sociedade afegã e da supressão do Taleban podem ser consideradas fracassos norte-americanos. Dentre essas tentativas, ressalta-se a mais recente, do então presidente Trump, que tentou, sem sucesso, negociar diretamente com o Taleban.

No  tempo em que os Estados Unidos relegaram a questão afegã a um segundo plano, o Taleban (refugiado na fronteira com o Paquistão) passou a se reconstruir, com o apoio, inclusive, do governo paquistanês. Assim, o Taleban atual não é igual àquele de 1996, mas construiu relações com países como China, Rússia e Irã.

A retirada das tropas americanas

Diante da ineficiência no combate ao Taleban, os Estados Unidos passaram a estudar a retirada das tropas no Afeganistão ainda no governo Trump, com a certeza de que a situação do país era irreversível. Essa medida foi consumada no governo de Joe Biden, em maio de 2021. Apesar dessa retirada, não se esperava que a retomada do território afegão pelo Taleban fosse tão rápida. Mas, ao contrário das expectativas, o grupo fundamentalista conseguiu retomar todos os territórios que havia perdido, inclusive a capital, Cabul, enquanto as tropas norte-americanas ainda estavam deixando o país.

Em agosto de 2021, a ofensiva do Taleban, quatro meses após seu início, já teve sucesso na retomada da capital Cabul, com sua vitória consolidada pela fuga inesperada do então presidente Ashraf Ghani.

Talvez, após essa breve reconstrução histórica, seja mais fácil entender o desespero dos afegãos. Em entrevista ao  jornal The Guardian, uma jovem afegã relata os horrores de viver a certeza de que, em poucas horas, sua vida mudaria por completo. Ela se formaria em alguns meses, mas as mulheres já estão proibidas de estudar e trabalhar. Coisas simples como pintar a unha e sair na rua sem a burca estão fora de cogitação. A vida dela e de outras milhões de mulheres afegãs foi interrompida de forma abrupta e muito triste, em mais um capítulo dessa guerra que já se arrasta por décadas.